CNJ investiga juízas de Goiás que barraram aborto legal – 17/07/2024 – Cotidiano
Brasília
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apura a conduta de uma desembargadora de Goiás que impediu o aborto legal de uma adolescente de 13 anos após o pai da jovem entrar na Justiça contra a realização do procedimento.
Além da desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, o conselho também vai investigar a conduta da juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva, titular do 1º Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Goiânia.
O corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, analisou um pedido de providências feito pela ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) e determinou, na última sexta (12), a apuração sobre possível desvio funcional da juíza e da desembargadora, que teria retardado injustificadamente a retirada do feto.
Considerando a urgência do caso, Salomão determinou que o TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás) fizesse em até 48 horas uma perícia médica, com acompanhamento de um assistente social, para avaliar o estado atual da criança.
“O cenário exposto sugere, em linha de princípio e se comprovado, a prática de falta funcional com repercussão disciplinar, o que exige a atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça, com urgência, para a apuração dos fatos aqui narrados”, disse o corregedor na decisão.
O caso foi revelado pelo jornal O Popular e pelo site Intercept Brasil. A Folha teve acesso aos documentos do processo. A jovem já completou 28 semanas de gravidez, o que torna o procedimento mais difícil.
Em nota, o TJ-GO afirmou que, como o processo tramita em segredo de Justiça, não pode se manifestar sobre o caso específico. Ressalta, no entanto, “que todas as providências determinadas pelo CNJ são cumpridas imediatamente pelo TJ-GO”.
Há um recurso contra a decisão da desembargadora pendente de análise.
Em depoimento ao Conselho Tutelar da região em que vive, a adolescente afirmou que gostaria de interromper a gestação quando estava na 18ª semana. Em mensagens encaminhadas ao órgão, a menina afirmou que, se não tivesse acesso ao procedimento, iria procurar uma forma de fazê-lo por conta própria.
O suspeito do abuso, de 24 anos, teria afirmado ao Conselho que não sabia qual era a idade da adolescente e que, se soubesse, não teria mantido relação com ela.
O pai da adolescente, também segundo o órgão, teria pedido para conversar com o suspeito para que ele assumisse o bebê. Apesar do pedido da adolescente de que gostaria de interromper a gestação, o pai dela entrou na Justiça para que o aborto fosse proibido.
Segundo as informações que embasaram a decisão do CNJ, o hospital que faria o procedimento, ao ser procurado, pediu autorização ao pai da menina, que tem a guarda dela, e ele recusou. A equipe do hospital então recorreu à Justiça.
Uma primeira decisão, quando a gestação já tinha mais de 20 semanas, autorizou a interrupção desde que o procedimento fosse feito com técnicas para preservar a vida do feto, o que seria uma tentativa de parto antecipado. A segunda decisão judicial, de 27 de junho, suspendeu qualquer interrupção.
O Ministério Público pode representar a criança em caso do tipo, com decisões divergentes. A Promotoria pediu à Justiça que o aborto fosse realizado, mas a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade proibiu a interrupção da gravidez e aceitou o pedido do pai da adolescente.
A juíza afirmou ainda que a equipe médica deve usar “todos os meios médicos e técnicas que assegurem a sobrevida do nascituro, inclusive com todos os acompanhamentos necessários até que venha receber alta médica, salvo comprovada ocorrência de risco de vida para a adolescente”.
A desembargadora disse também que o pai da adolescente argumentou que o “delito de estupro está pendente de apuração”, mas a lei brasileira estabelece que qualquer tipo de relação sexual com uma pessoa com menos de 14 anos é consiste em estupro de vulnerável.